sábado, 17 de julho de 2010

Mendigo




Estava chovendo eu estava andando como sempre, cabeça nas nuvens os pés no chão, caia uma fina garoa aquelas gotinhas que molham a pontinha do nosso nariz dão uma agonia estranha em mim, minhas bochechas congelavam com o frio, sentia meus pés molharem tudo muito normal, não era não nenhum dia especial, eu ia fazer todas as coisas que faço sempre às vezes iguais às vezes diferentes. E então ele veio, eu vi, e fingi que não vi, sempre finjo que não vejo todos fingem, as suas roupas esfarrapadas seus pés descalços calejados pelas andanças do mundo, seu rosto enrugado pelas marcas profundas da desesperança dele.
Naquele dia passando ali aonde sempre passo, faço sempre a mesma trajetória eu vi, como quem não queria ver, a miséria de um ser humano, como eu humano, eu estava andando eu o vi ele me viu, encheu seu copinho de água e veio andando, eu como sempre ouvindo minha música brega, levei um choque de realidade, ele tacou a água no meu rosto, o mendigo tacou um copo de água em mim...eu pensei em gritar eu pensei em agredir eu pensei, como penso tão poucas vezes nessa vida, porque afinal raciocinar nunca foi meu forte!
Eu levei um choque de realidade eu vi a plebe molhando a burguesia, vi lutas inglórias pelas minorias, vi historias de noites frias de barriga vazia, vi o medo dos outros, dos bichos da nossa cabeça, medo da loucura que chega, eu vi drogas fáceis, eu vi uma luta por um dia que dura mais que 24 horas, eu vi o mundo inteiro como uma casa e eu apenas inquilina de passagem, passando. Eu não pensei em mudar o mundo, eu só posso mudar a mim mesma, e cada pessoa é mundo afinal, e naquele dia frio meu mundo tão distante daquele mendigo, meu mundo encontrou o dele, ele se chocou no meu mundo, ele bateu de frente com o meu mundo ele quis quebrar minha rotina.
Eu tive inveja da sua força de minoria, tive medo da sua raça sei que talvez eu não agüentasse o que ele agüenta nas ruas todos os dias, os olhares estranhos de misericórdia, de medo, de horror, de receio, de preconceito, de nojo, eu tenho medo dos olhares dos outros, mas esse homem vive assim sob olhares dos grandes passantes sempre soberbos soberanos, eu me senti pequena perto dele inútil diante da sua coragem.
E eu tive que admiti como quem admite uma verdade dura e cruel mais que eu sei quem é verdade, eu banalizei, eu tenho nojo sim, tenho medo, sim tenho pena sim, eu não sei a sua historia seu passos as derrotas e fracassos que o levaram a parar na rua, eu durmo na minha cama quente e não penso em você na rua na chuva no escuro, eu calço minhas botas, tênis, sapatos e não penso em seus pés descalços, e tomo meu banho e visto minhas roupinhas e não penso na mercê de doenças que você vive todos os dias sem higiene, e almoço janto e reclamo da comida quente e fria, e não penso na fome que você passa todos os dias, se você morresse amanha que falta você me faria? Olha eu não sei o nome do mendigo que me tacou água naquele dia, mas ele me mostrou de uma maneira dura e rígida que é mais forte que eu,que pode mais, me molhou me chocou, que ser humano eu sou?Enquanto eu luto pelas mil e uma futilidades que eu desejo, o que eu faço por você ser humano como eu dotado dos mesmos direitos que eu?Nada... Naquele dia eu andava um mendigo tacou água no meu rosto e lavou minha alma.

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